25 de março de 2010

Contentamento descontente



Esse sentimento, que desperta alegria e riqueza nos mais desafortunados, nos faz voar sem termos asas, nos faz esquecer os problemas mundanos, e faz nosso coração bater, oh, tão rápido, como se ele quisesse saltar pra fora do peito. Que machuca, desespera, agonia. Faz-nos ser presos por vontade, não querer mais nada além de bem-querer, uma alegria triste, um júbilo choroso.
Volubilidade. Uma palavra é o bastante pra fazer mudar de idéia. Um gesto, um momento. Palavras – tão sinceras - ditas olhos nos olhos, já não parecem tão sinceras assim. Gestos tão espontaneamente perfeitos, já não passam de simples gestos. Planos tão concretamente idealizados, já não passam de meros planos utópicos de outros dias. E as promessas – ah, as promessas- tão verdadeiramente esboçadas, tão fielmente aceitas, viraram lembranças lúcidas de um período de insanidade.
E o vazio. Onde antes habitava um sentimento tão grande e absurdo que já nem cabia mais lá. Tudo dá lugar ao vazio, triste e silencioso vazio que não guarda nada. E então vem o nó, que sobe pela garganta, sufoca, machuca, e faz marejar os olhos. As lágrimas. Tão grossas quanto as gotas de chuva no inverno. E as lembranças inevitáveis. O cd em cima da cômoda. O caminhar, que já é por si só suficiente pra trazer uma enxurrada de lembranças do que foi. A angústia que permanece, e ao mesmo tempo em que machuca, torna-se uma inquilina confortável, uma centelha do amor que já foi. Uma lembrança sentida, um pedaço do que partiu.
E então o não-amor, o desprezo, o desespero. Torna-se repugnante seu próprio reflexo. A comida não é como antes, a música não soa como deveria, os filmes, o sol, o vento, o tempo. Tudo muda, sem nada ter realmente mudado.
Tão contrário a si mesmo, o Amor.

O amor que choveu

A história de uma paixão maior que o mundo


Era uma vez um menino que amava demais. Amava tanto, mas tanto, que o amor nem cabia dentro dele. Saía pelos olhos, brilhando, pela boca, cantando, pelas pernas, tremendo, pelas mãos, suando. (Só pelo umbigo é que não saía: o nó ali era tão bem dado que nunca houve um só que tenha soltado).

O menino sabia que o único jeito de resolver a questão era dando o amor à menina que amava. Mas como saber o que ela achava dele? Na classe, tinha mais 15 meninos. Na escola, 300. No mundo, vai saber, uns 2 bilhões? Como é que ia acontecer de a menina se apaixonar justo por ele, que tinha se apaixonado por ela?

O menino tentou trancar o amor numa mala, mas não tinha como: nem sentando em cima o zíper fechava. Resolveu então congelar, mas era tão quente o amor, que fundiu o freezer, queimou a tomada, derrubou a energia do prédio, do quarteirão e logo o menino saiu andando pela cidade escura – só ele brilhando nas ruas, deixando pegadas de Star Fix por onde pisava.

O que é que eu faço? – perguntou ao prefeito, ao amigo, ao doutor e a um pessoalzinho que passava a vida sentado em frente ao posto de gasolina. Fala pra ela! – diziam todos, sem pensar duas vezes, mas ele não tinha coragem.

E se ela não o amasse?

E se não aceitasse todo o amor que ele tinha pra dar? Ele ia murchar que nem uva passa, explodir como bexiga e chorar até 31 de dezembro de 2978.

Tomou então a decisão: iria atirar seu amor ao mar. Um polvo que se agarrasse a ele – se tem 8 braços para os abraços, por que não 4 corações para as suas paixões? Ele é que não dava conta, era só um menino, com apenas duas mãos e o maior sentimento do mundo.

Foi até a beira da praia e, sem pensar duas vezes, jogou. O que o menino não sabia era que seu amor era maior do que o mar. E o amor do menino fez o oceano evaporar. Ele chorou, chorou e chorou pela morte do mar e de seu grande amor.

Até que sentiu uma gota na ponta do nariz. Depois outra, na orelha e mais outra, no dedão do pé. Era o mar, misturado ao amor do menino, que chovia do Saara a Belém, de Meca a Jerusalém. Choveu tanto que acabou molhando a menina que o menino amava. E assim que a água tocou sua língua, ela saiu correndo para a praia, pois já fazia meses que sentia o mesmo gosto, o gosto de um amor tão grande, mas tão grande que já nem cabia dentro dela.